Tuesday, April 18, 2006

Um pequeno grande estilhaço...

Cão
Cão passageiro, cão estrito

Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão além, e sempre cão.
Cão marrado, preso por um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal da poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moído de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção, cão pré fabricado,
cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!
Alexandre O'Neill

Não sabia sobre o que escrever... Este post saíu de uma ideia vaga que me segredou que buscasse algo imanente à minha oscilante existência... Abri a porta do armário, peguei com uma convicção hesitante na caixinha das recordações... Estava pesada, cheia daquilo que me marcou durante a minha (ainda curta) jornada pela estrada da vida... Abri a caixa, olhei o interior, remexi nos meus estilhaços e encontrei este, que aos meus olhos brilhou como o mais puro diamante...
Um poema?! Diriam muitos, com desdém... Sim, um poema... Marcou-me, este poema, que me foi lido várias vezes, a par do tradicional "Dorme bem... Bons Sonhos...".
Porque é que me marcou? Não sei bem... Não, chega do cómodo "não sei"!!! Talvez simplesmente porque gosto de poesia? Talvez... Não, chega do conveniente talvez!!!
Marcou-me porque povoou a minha infância, marcou-me porque é de uma simplicidade deliciosa que expressa a complexidade de definir a essência de um ser, marcou-me porque é poesia e a poesia está em mim e está no tal cão do tal poema e está em tudo...
Marcou-me porque marcou, maldita seja a humana mania de querer por força arranjar explicação para tudo, não preciso do "não sei", não preciso do "talvez"... Marcou e pronto, tenho dito...

5 comments:

bonifaceo said...

É isso, quando se gosta, gosta, normalmente porque achámos algo muito belo, mesmo que mais ninguém ache, mas gostos são gostos, e não tem que ter explicação, gosta-se e pronto.
Beijo.

poca said...

obrigada por partilhares... e pela visita também...
beijinhos

sm said...

Cá estou! Obrigada pela tua visita e pelo teu comentário!

E marcou muito bem!!!

:-)
Sandra

joão said...

Felizes os que adormecem à sombra de um poema.

abelha maia said...

Olá Ritinha!

Acho que as coisas que nos marcam não precisam de explicação...são sentidas.
Beijinhos e obrigada pelas visitas!